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Jonas

  • Foto do escritor: Daniel S. Santos
    Daniel S. Santos
  • 16 de out. de 2024
  • 2 min de leitura




Sou prisioneiro na décima terceira torre. A última do lado do canal. Na semana passada fui transferido para o primeiro pavimento; estou no cubículo número três que é concedido àquele que preenche os requisitos necessários para estar ali.

As paredes, o piso e o teto são feitos de um material emborrachado e parecem respirar feito o pulmão de uma baleia, “eu sou um pequeno verme infeccionando o órgão do assombroso animal’’, eu penso com a ironia amarga dos rebeldes encarcerados.

Não há nada que possa reter os meus movimentos, por isso rolo de um lado para o outro no chão quando não estou dormindo ou pensando sobre alguma coisa.

Na parede do lado do canal há um pequeno orifício do tamanho de um punho. Quando não estou dormindo ou pensando enfio o meu olho bom lá dentro e fico vendo a água deslizando lentamente, mas na maior parte do tempo estou distraído com alguma conjectura inútil e quando soltam a vazão me assusto com os gritos daqueles que são arrastados pela corrente.

Lá de cima, na outra cela onde eu estava eu ouvia apenas os berros indistintos dos atormentados, agora com o meu olho bom espiando através do pequeno orifício posso ver as mãos desesperadas tentando se agarrar na beira do canal. Às vezes vejo até mesmo um pedaço do rosto do infeliz; um nariz uma orelha ou um olho injetado de raiva.

Lá de cima eu não podia distinguir o que diziam aqueles que eram arrastados pelas águas; as suas frases recortadas pelo desespero se desmanchavam na turbulência do ar, mas aqui no número três um dia cheguei a ouvir perfeitamente uma voz carregada de lamúria: “Ei, quem está aí?” eu ouvi ela me perguntar. “Esse parece ter encontrado um gancho inesperado na beira”, eu pensei, resistiu por um momento me implorando com os seus gritos que agora eu podia transformar em palavras perfeitamente compreensíveis. Finalmente ouvi o estrondo da comporta se abrindo. Uma vazão maior o arrastou irremediavelmente.

Às vezes isso acontece; quatro ou cinco casos desde que estou aqui no número três. Num deles, eu olhava pelo buraco, um homem de olhos arregalados olhou bem dentro do meu olho bom. Eu podia ouvir a sua respiração ofegante bem perto de mim. “Como posso te apanhar, a pequena abertura cabe apenas o meu punho”, eu lhe disse num sussurro cheio de compaixão. Os olhos dele foram inundados por um vermelho intenso. Ouvi o estrondo da comporta e vi a mão se desgarrando da beira. A sua respiração transformando-se num urro horripilante que eu já não podia compreender.

Não fico muito tempo ocupado com o buraco onde enfio o meu olho bom. Às vezes fico rolando dentro do pulmão da baleia e pensando em quanto tempo falta para me atirarem no canal.


Amanheceu. Ouvi vozes que jamais ouvira; “abram a comporta”, alguém gritou. Acho que durante a noite me transferiram para o cubículo de número dois, sem que eu o percebesse. “Está ficando perto”, eu pensei. Em dois ou três dias me jogarão no canal e vou ser arrastado para fora da baleia. Níneve compreenderá a minha voz?

 
 
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